Exploração de atividades econômicas em terras indígenas
Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, uma questão não foi regulamentada: a mineração e a geração de energia hidrelétrica em terras indígenas. Mais de 31 anos depois, o governo decidiu dar esse passo e apresentar um projeto de lei finalmente regulamentando o §1º do art. 176 e o §3º do art. 231 da Constituição.
A omissão por mais de três décadas só trouxe prejuízos ao Brasil: insegurança jurídica; lavra ilegal; não pagamento de compensações financeiras e tributos; graves riscos à vida, à saúde, à organização social, aos costumes e tradições dos povos indígenas, além de inúmeros conflitos.
Por isso, o governo está propondo ao Congresso Nacional um projeto de lei, estabelecendo as condições específicas para a pesquisa e lavra de recursos minerais, inclusive a lavra garimpeira e petróleo e gás, e geração de energia hidrelétrica em terras indígenas.
Perguntas & Respostas
1. A Constituição de 1988 veda a mineração e o aproveitamento de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica em terras indígenas?
Não. Ela condiciona a realização destas atividades à oitiva das comunidades afetadas, autorização do Congresso Nacional e pagamento de participação nos resultados.
2. Por que é necessário regulamentar os Artigos 176 e 231?
São mais de trinta e um anos sem regulamentação da mineração e geração de energia hidrelétrica em terras indígenas, matéria prevista pela Constituição Federal desde sua promulgação em 5 de outubro de 1988 (§ 1º do art. 176 e § 3º do art. 231). Houve tentativas de regulamentação ao longo desses anos, contudo ainda não há lei que regulamente os dispositivos constitucionais que tratam desses temas complexos, de diferentes áreas do conhecimento, e que necessitam da articulação de diversas áreas governamentais. A não regulamentação da matéria, além de insegurança jurídica, traz consequências danosas para o País, tais como: não geração de conhecimento geológico, potencial de energia, emprego e renda; lavra ilegal; não pagamento de compensações financeiras e tributos; ausência de fiscalização do aproveitamento de recursos minerais e hídricos; riscos à vida, à saúde, à organização social, costumes e tradições dos povos indígenas; conflitos entre empreendedores e indígenas. Adicionalmente, o PL regulamenta atividades que na prática já ocorrem, porém na clandestinidade, fato que acarreta inúmeros problemas não só para os indígenas mas para a sociedade como um todo.
3. A proposta de PL retira direitos dos povos indígenas?
Não, porque a proposta de lei trata de regulamentação de dispositivo constitucional que tem como objetivo exatamente garantir direitos dos povos indígenas no caso do aproveitamento dos recursos hídricos e a exploração de recursos minerais em terras indígenas, assegurando a autonomia dos povos indígenas.
4. O que o PL propõe caso um povo indígena não concorde com a exploração de minerais ou de recursos hídricos em seu território?
A Constituição Federal impõe a necessidade de oitiva das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento (§ 3º da art. 231, da CF/88) para que o aproveitamento seja efetivado. O PL detalha o procedimento da oitiva das comunidades, que deve ser promovido pelo órgão ou entidade responsável pela realização do estudo técnico prévio, com o apoio técnico e a supervisão da FUNAI. O resultado da oitiva será formalizado em relatório específico ao qual se dará ampla publicidade. A oitiva não se confunde com outros procedimentos de consulta eventualmente exigíveis por outras legislações. O Presidente da República, ao encaminhar ao Congresso Nacional o pedido de autorização para a realização das atividades de aproveitamento econômico prevista no Texto Constitucional, levará em consideração a manifestação das comunidades indígenas afetadas, podendo encaminhar com manifestação contrária somente com a devida motivação formal. De toda forma, o relatório específico com o resultado da oitiva das comunidades indígenas afetadas deve ser enviado na íntegra para o Congresso Nacional apreciá-lo quando da análise do pedido de autorização.
5. Os povos indígenas afetados terão voz ativa na decisão de permitir a exploração de suas terras?
Vide resposta ao item 4. Adicionalmente, com relação à oitiva, convém informar que ela será orientada pelas seguintes diretrizes: I ‐ respeito à diversidade cultural, usos, costumes e tradições das comunidades indígenas; II – garantia do direito à informação; III ‐ linguagem compreensível; IV ‐ realização na própria terra indígena ou em outro local acordado com as comunidades indígenas afetadas; V ‐ transparência; e VI ‐ estabelecimento de canais facilitadores de diálogo. Essas diretrizes contribuem para que as comunidades indígenas afetadas sejam devidamente ouvidas e que os seus posicionamentos sejam registrados para serem levados em conta durante o processo. Especificamente sobre a situação de garimpagem, a proposta condiciona a outorga de permissões de lavra garimpeira por não-indígenas ao consentimento das comunidades indígenas afetadas, prestigiando o princípio da autonomia da vontade dos povos indígenas.
6. Como os povos indígenas serão indenizados?
O PL prevê pagamento às comunidades indígenas afetadas com relação a: i) participação no resultado da lavra e da geração de energia hidrelétrica; e ii) indenização pela restrição do usufruto dos indígenas sobre as suas terras. Já estava previsto na Constituição Federal o pagamento de participação no resultado da lavra às comunidades indígenas afetadas, faltando apenas sua regulamentação. O PL traz, então, uma inovação: o pagamento de indenização às comunidades indígenas afetadas pela restrição do usufruto sobre as terras. Dessa forma, o PL busca garantir aos indígenas o mesmo tratamento dispensado aos particulares, quando as servidões administrativas recaem sobre propriedades privadas. A indenização será paga após a regular autorização do Poder Público para as atividades de pesquisa mineral ou, no caso de instalação de empreendimentos para aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica ou de sistemas de transmissão, distribuição e dutovias não associadas, após o início das obras. A forma de cálculo da indenização prevista considerará o grau de restrição de usufruto sobre a área da terra indígena ocupada pelo empreendimento, nos termos do regulamento.
7. Caso queiram, os próprios povos indígenas poderão explorar economicamente suas terras?
O PL estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e para aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas sem qualquer vedação aos próprios indígenas no que tange à exploração econômica de suas terras. A Constituição Federal estabelece que apenas brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País podem realizar tais atividades. No caso da garimpagem, o PL inclusive atribui às próprias comunidades indígenas afetadas preferência para o exercício da atividade de lavra garimpeira, de forma associada ou não. Somente em caso de ausência de interesse da comunidade indígena e do consentimento do exercício da atividade por não-índios, poderá a Agência Nacional de Mineração – ANM colocar em disponibilidade as áreas, após a oitiva das comunidades indígenas afetadas e autorização do Congresso Nacional. O projeto de lei ainda deixa clara a permissão legal de os indígenas, caso queiram, exercerem as mais diversas atividades econômicas em suas terras, como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo, entre outras. É uma previsão que mais uma vez reforça os direitos dos indígenas sobre suas terras.
8. Por que é necessária a criação de um conselho curador por terra indígena?
Os conselhos curadores, de natureza privada, serão responsáveis pela gestão e governança dos recursos financeiros decorrentes dos pagamentos da participação nos resultados e da indenização de restrição de usufruto. Cada conselho curador será composto de, no mínimo, três indígenas, sendo assegurada a representação de cada povo indígena das comunidades indígenas afetadas. Os conselhos curadores serão regidos pelas seguintes diretrizes: I – repartição justa dos recursos; II – autonomia da vontade; III – respeito aos modos tradicionais de organização; IV – aferição da legitimidade das associações representativas das comunidades indígenas afetadas, conforme critérios mínimos de governança; e V – eficiência do processo de tomada de decisão. A proposta do governo estabelece que os recursos provenientes da participação no resultado e da indenização sejam depositados em conta bancária de cada conselho curador justamente para permitir que:
- os próprios indígenas repartam estes recursos privados entre as associações que legitimamente representam as comunidades indígenas afetadas; e
- as próprias comunidades definam a melhor forma de uso dos recursos que lhe pertencem. Ou seja, a intenção é que cada conselho curador aja de forma autônoma, de acordo com os interesses das comunidades representadas na sua composição, sem qualquer ingerência do poder público a respeito da partilha dos recursos. A FUNAI poderá auxiliar, se for demandada, na condução dos processos de constituição e instalação dos conselhos curadores, bem como para prestar apoio técnico para o bom desempenho de suas atribuições.
9. É sabido que existe exploração clandestina em terras indígenas. De que forma o PL pode resolver essa questão?
Ao regulamentar os procedimentos de aproveitamento das terras indígenas, tal como preceituado na Constituição Federal, o PL confere-lhes segurança jurídica, transparência e objetividade, o que também auxilia na fiscalização dessas terras e empreendimentos. Além disso, ainda sobre fiscalização, o PL define que é competência da agência reguladora de cada setor fiscalizar as atividades decorrentes da exploração da lavra de recursos minerais e do aproveitamento de energia hidráulica em terra indígena, com o apoio, se necessário da FUNAI, e de forças policiais e de segurança.
10. Que papel têm os não-indígenas nesse projeto de lei? Qual o seu grau de ingerência nas decisões dos povos indígenas de acordo com o PL?
Não há qualquer ingerência dos não-indígenas nos procedimentos e institutos desenvolvidos no PL para a concretização da regulamentação do § 1º do art. 176 e do § 3º do art. 231, da CF/88. Não há previsão de oitiva de não-indígenas, nem preferência deles para qualquer atividade regulamentada. Especificamente sobre garimpagem, o PL inclusive confere às comunidades indígenas afetadas a possibilidade de não conferir consentimento aos não-indígenas para a consecução da lavra garimpeira. Além disso, o PL não dispensa o empreendedor da observância da legislação aplicável, incluindo de natureza ambiental, bem como da obtenção de outras autorizações, permissões, concessões e licenças que sejam exigidas por Lei.
11. A Convenção 169 da OIT estabelece a necessidade de consulta aos povos indígenas afetados, mas não dá direito de veto. Como o PL avança nessa questão?
A Convenção 169 da OIT não confere aos povos indígenas consultados o direito de vetar o objeto da consulta. Há, sim, uma busca pelo consenso que deve ser perseguida pelos Estados signatários, mas que não se configura em direito ao veto. No caso do PL, a oitiva às comunidades indígenas afetadas prevista na Constituição Federal também não confere a tais comunidades o direito ao veto, mas sim à manifestação irrestrita e obrigatória sobre as atividades a serem executadas em terra indígena, seguindo as seguintes diretrizes:
I ‐ respeito à diversidade cultural, usos, costumes e tradições das comunidades indígenas;
II – garantia do direito à informação;
III ‐ linguagem compreensível;
IV ‐ realização na própria terra indígena ou em outro local acordado com as comunidades indígenas afetadas;
V ‐ transparência; e
VI ‐ estabelecimento de canais facilitadores de diálogo.
Essas diretrizes contribuem para que as comunidades indígenas afetadas sejam devidamente ouvidas e que os seus posicionamentos sejam registrados para serem levados em conta durante o processo, inclusive quando já estiver na fase de autorização do Congresso Nacional. Sobre especificamente a situação de garimpagem, destaca-se que a proposta condiciona a outorga de permissões de lavra garimpeira por não-indígenas ao consentimento das comunidades indígenas afetadas, prestigiando o princípio da autonomia da vontade dos povos indígenas.
12. De que forma(s) a proposta de PL melhora o Brasil?
Esse Projeto de Lei é resultante do trabalho intenso de grupo técnico interministerial, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, cujo objetivo principal era construir uma proposta de regulamentação da Constituição, equilibrada, capaz de atender às demandas e anseios dos povos indígenas e, ao mesmo tempo, viabilizar empreendimentos de geração de energia hidrelétrica e de mineração em terras indígenas, empreendimentos estes que poderão criar novos empregos e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico dessas regiões.