RESUMO EXECUTIVO – PL N° 2920 DE 2023
Autor: Poder Executivo | Apresentação: 02/06/2023 |
Ementa: Institui o Programa de Aquisição de Alimentos e altera a Lei n.º 12.512, de 14 de outubro de 2011, e a Lei n.º 14.133, 1º de abril de 2021.
Orientação da FPA: Favorável com Ressalvas
Situação Atual: Pronta para Pauta no Plenário (PLEN)
PRINCIPAIS PONTOS
O projeto de lei institui o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), onde altera a Lei n.º 12.512, de 14 de outubro de 2011, e a Lei n.º 14.133, 1º de abril de 2021.
A proposta também revoga:
- 11 da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008;
- 47 da Lei nº 11.775, de 17 de setembro de 2008; e
- Os art. 30 a art. 41 da Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021.
O que é o PAA?
O PL 2920/2023 retorna com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que havia sido substituído pelo Programa Alimenta Brasil por meio da Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021. A necessidade de um Programa Federal de estímulo à aquisição de produtos elaborados pela agricultura familiar converge com os anseios de todo o setor produtivo primário brasileiro: aumentar a segurança alimentar e incentivar a produção de alimentos no país. E nesse sentido, o PAA pode efetivamente ser vetor de mudança positiva para toda a sociedade.
É um programa que como objetivo incentivar a agricultura familiar, promover a inclusão econômica e social, garantir o acesso à alimentação adequada, valorizar os alimentos produzidos pela agricultura familiar, fortalecer circuitos locais e regionais de comercialização, entre outros. O projeto estabelece que as modalidades do programa serão definidas em regulamento.
Como irá funcionar o PAA?
O Poder Executivo federal, estadual, distrital e municipal poderá adquirir alimentos produzidos pelos beneficiários do programa, dispensando a licitação, desde que atendidos os requisitos estabelecidos, como preços compatíveis com o mercado e tenham um controle de qualidade dos alimentos.
O pagamento aos beneficiários fornecedores será efetuado diretamente pela União, por meio das instituições financeiras oficiais ou cooperativas de crédito e bancos cooperativos. Será admitida a comprovação da entrega e qualidade dos produtos por meio de termo de recebimento e aceitabilidade.
O projeto estabelece que os conselhos de segurança alimentar e nutricional serão instâncias de controle e participação social do PAA. Em casos de impossibilidade de acompanhamento pelos conselhos, poderá ser instituído comitê local do PAA.
Os alimentos adquiridos são destinados a diferentes públicos beneficiários, como entidades socioassistenciais, hospitais, escolas, restaurantes populares e comunidades em situação de insegurança alimentar.
Dessa forma, o PAA contribui tanto para a geração de renda no meio rural, fortalecendo a agricultura familiar, quanto para o acesso da população mais vulnerável a alimentos saudáveis e de qualidade.
PROBLEMAS IDENTIFICADOS NA PROPOSTA
Cheque em branco
O texto apresentado traz o conceito de simplificação e objetividade ao Programa definido na Lei nº 14.284/2021, mas carece de ser revisado e alterado a fim de manter o status imparcial que pauta a administração pública e a segurança jurídica que um Programa nacional necessita para ter continuidade e efetividade.
O texto apresentado pelo poder executivo estabelece uma série de finalidades ligadas ao desenvolvimento da agricultura familiar, no entanto, seu estabelecimento está completamente vinculado à edição de ato normativo do poder executivo federal.
Assim como as regras de implementação, ficara a cargo de ato do executivo o estabelecimento da composição do “grupo gestor do PAA”. Esses grupos definirão as normas para o estabelecimento dos valores pagos pela aquisição de alimentos no PAA.
Falta de transparência
O programa funciona por meio da compra direta de alimentos da agricultura familiar, realizada pelos órgãos governamentais (federal, estadual, distrital e municipal), sem processo de licitação. Esses alimentos são adquiridos com recursos financeiros do governo, que são repassados aos agricultores familiares.
A proposta também altera a lei de licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) para permitir a contratação de entidades privadas sem fins lucrativos (ong e assemelhados), dispensado processo licitatório, e com o objetivo de implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, em benefício as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou pela falta regular de água.
Inserção do termo ultraprocessados
O relator, dep. Guilherme Boulos (PSOL/SP), apresentou substitutivo, incluindo como finalidade do programa “evitar os alimentos ultraprocessados”. Importante destacar que o trecho não constava da redação original da MP 1166, nem da redação original do PL 2920/2023.
A indústria brasileira de alimentos e bebidas é a maior do país, processando 58% de tudo o que é produzido no campo. O setor é responsável por 1,8 milhão de empregos diretos, o que significa 24,3% dos empregos da indústria de transformação brasileira. A contribuição da balança comercial da indústria de alimentos para o saldo total da balança comercial do Brasil é de 83,9%.
O país é o 2º maior exportador mundial de alimentos industrializados em volume e 5º em valor, cumprindo as legislações sanitárias de mais de 190 países. Dessa maneira, para que possam ser oferecidos ao público consumidor, as bebidas e os alimentos devem seguir regulamentação técnica específica para o produto, sendo certo que, se o seu consumo representasse qualquer risco à saúde, não poderia sequer ser aprovado e tampouco oferecido ao consumo.
O conceito de alimento “ultraprocessado” (Classificação NOVA) e que consta do Inciso VIII, artigo 2º do substitutivo divulgado pelo relator, foi criado no Brasil, com o objetivo de classificar alimentos por grau de processamento. Trata-se de uma definição complexa, ampla, sem clareza e que dificulta sua aplicação, na prática, por ser, sob muitos aspectos, incompreensível.
Uma das razões para a falta de objetividade pode estar na ausência da participação da ciência e da tecnologia de alimentos – especialistas em processamento de alimentos – na construção de tal conceito. O que determina a qualidade de um alimento é sua composição nutricional, e não a quantidade de ingredientes ou etapas de processamento. Um alimento pode ser mais ou menos nutritivo, tendo ele sido processado ou não.
O processamento de alimentos utiliza tecnologias baseadas em princípios de conservação que ajudam a tornar os produtos seguros para consumo, preservando ao máximo suas qualidades nutricionais e sensoriais. De acordo com dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) de 2017/2018, 76% dos alimentos consumidos no Brasil são processados, considerando uma ampla gama de produtos. Importante ressaltar que 88,7% das vendas da indústria são de alimentos como carnes; pescados e derivados; laticínios; cereais como arroz; derivados de trigo como massas e pães; derivados de frutas e vegetais.
Uma classificação por grau de processamento ou número de ingredientes não se sustenta e tem enfrentado duras críticas da comunidade científica nacional e internacional. Há diversos tipos de processamento, para diversas categorias de alimentos diferentes. E cada uma delas cumpre uma função tecnológica essencial para tornar o alimento seguro, para que ele possa ser armazenado, transportado e para que possa estar disponível para a população brasileira, num País de dimensões continentais.
Em artigo publicado na “European Journal of Clinical Nutrition”1, pesquisadores que analisaram a consistência da Classificação NOVA, concluíram que o critério utilizado nesta classificação não permite uma definição inequívoca do que seria um alimento ultraprocessado e estimulam a reflexão sobre sua confiabilidade e capacidade de guiar políticas públicas voltadas para a saúde ou prover informações úteis ao consumidor.
O ITAL – Instituto de Tecnologia de Alimentos, instituição vinculada à Secretaria de Agricultura do Governo do Estado de São Paulo, dedica 14 páginas de sua publicação “Alimentos Industrializados” para explicar as inconsistências técnicas da classificação NOVA, baseada em pressupostos que não encontram sustentação na ciência e na tecnologia de alimentos, além de conflitar diretamente com as autoridades regulatórias que aprovam para consumo os alimentos industrializados contestados pela mesma.2
Importante destacar que as recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, relativas à diminuição da ingestão de nutrientes como açúcares livres, sal (sódio) e gorduras, referem-se sempre à dieta da população e não ao alimento individualmente considerado. O ser humano necessita dos nutrientes em quantidade e qualidade adequadas para atender todas as suas necessidades nutricionais.
O processamento de alimentos é essencial para tornar os alimentos disponíveis para o consumo. Sem alguns processos realizados pela indústria, muitos alimentos trariam riscos à saúde humana, não seriam palatáveis ou de fácil digestão.
Ademais, conforme destacado em recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, “a obesidade tem causas multidimensionais, relacionadas com a faixa etária, a renda do indivíduo, estilos de vida e modo de trabalho, frequências de práticas esportivas e hábitos alimentares”, sendo que “no Brasil, a prevalência da obesidade não está associada a um consumo exclusivo de um produto específico”.3
Restringir a aquisição de determinados tipos de alimentos, definidos de forma contestável pela ciência e tecnologia de alimentos, em nada contribui para a formação de hábitos alimentares saudáveis, que só podem ser obtidos por meio da educação alimentar.
CONCLUSÃO
- Entendemos que o PAA é uma importante ferramenta de promoção da agricultura familiar, no entanto, como proposto no PL, possui uma série de vulnerabilidades (falta de transparência na execução e ausência de processo licitatório) que podem colocar em risco os recursos do programa.
- Sugerimos alterações que conectam o PAA com a essência da legislação voltada à Agricultura Familiar a fim de assegurar o atendimento integral dos conceitos definidos no art. 3º da Lei nº 11.326/2006. Ou seja, a preferência para os grupos discriminados (indígenas, quilombolas etc.) só poderá ser efetivada se atenderem o disposto no artigo citado.
- Reforçando a necessidade de atender aos preceitos da administração pública e de segurança jurídica, sugere-se a alteração do texto para assegurar que a Conab execute o Programa mediante assinatura de termo de execução descentralizada e que as instituições financeiras envolvidas no PAA atuem mediante convênios e com maior transparência, uma vez que haverá repasse de dinheiro da União.
- O art. 15 trata de dispensa de licitação para entidades privadas sem fins lucrativos para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos. Sabemos que o fenômeno da Seca, ou estiagem, comum na região Semiárida, ocorre frequentemente e que possui outros Órgãos responsáveis por políticas públicas direcionadas para a captação da água das chuvas etc. No contexto deste PL, não há a necessidade de sobreposição de ações.
- Diante do exposto, recomendamos algumas alterações de texto, como a manutenção do dispositivo original do PL (Inciso VIII do Art. 2º), com a supressão da expressão “evitando-se os alimentos ultraprocessados”. Que seja retirada também as partes que dizem “dispensada a licitação”, ou “dispensada a realização de licitação”, dentro do projeto.
Recomenda-se também supressão dos:
- O inciso IV do Art. 3º
- O inciso II do §4º do Art. 4º e suas respectivas alíneas.
- O inciso XVII do Art. 15º.
As sugestões propostas têm o intuito de que o PAA tenha boa operacionalidade e sucesso nos próximos anos, por entendermos que ele pode, efetivamente, ser vetor de mudança positiva para toda a sociedade brasileira.
1 Ultra-processed foods: how functional is the NOVA system? | European Journal of Clinical Nutrition (nature.com)
2 https://alimentosprocessados.com.br/objetivo.php.
3 https://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/relatoriofinal_editado_projeto_obesidade.pdf.