Panorama Setor Sucroenergético
INTRODUÇÃO
O setor sucroenergético brasileiro abrange as empresas que produzem açúcar e álcool, ou atuam em algum elo da cadeia produtiva desses elementos. No Brasil, esse setor está diretamente relacionado às culturas de cana-de-açúcar, uma vez que este é o principal insumo para os processos produtivos citados. Muitas usinas trabalham com os dois produtos, açúcar e álcool, variando a proporção de cana dedicada a cada linha de produção de acordo com as oscilações e tendências do mercado.
O álcool possui duas variantes básicas, em função da proporção de água presente na mistura final:
- Álcool anidro: utilizado como aditivo à gasolina
- Álcool hidratado: pode ser utilizado como combustível diretamente nos motores a álcool ou flexfuel.
O álcool pode ser destinado a diferentes finalidades, como indústria farmacêutica ou química, mas a sua aplicação no setor de transportes vem sendo o grande impulsionador do crescimento do negócio sucroalcooleiro.
Em contexto mundial, atualmente temos o Brasil como o pioneiro em produção de cana-de-açúcar e derivados, setor de altíssima relevância sendo protagonista fundamental no mercado agrícola e na economia do país (CONAB, 2020). Devido ao grande potencial de produção de etanol e todos os seus subprodutos, a cultura da cana-de-açúcar é uma alternativa valiosa quando se trata de biocombustíveis e, em conjuntura com as temáticas envolvendo sustentabilidade, diferentemente de outros países, o setor de agroindústria sucroalcooleira do Brasil opera em uma sistemática cada vez mais envolvida positivamente com o tema (CONAB, 2021).
Temáticas envolvendo sustentabilidade, inovação e responsabilidade social são cada vez mais abrangidas dentro da sociedade, estando fortemente presentes em discussões acadêmicas, estimulando mudanças a nível global no âmbito social, econômico, político e ambiental, visando melhorias no bem-estar social e organizacional. O setor sucroenergético se incluem e progride constantemente dentro dessa temática (LIMA & NEVES, 2022).
HISTÓRICO DO SETOR SUCROENERGÉTICO NA ECONOMIA BRASILEIRA
O álcool, habitualmente chamado de etanol, passou a ser utilizado como combustível a partir do século XX. Até então, o consumo se dava basicamente com bebidas destiladas. No Brasil a indústria alcooleira surgiu como consequência da produção açucareira, uma vez que o etanol podia ser obtido a partir da destilação do caldo residual proveniente da fabricação de açúcar, embora a produção fosse ainda rudimentar (LEÃO, 2002).
Na década de 30, o etanol começou a ser produzido no Brasil, com várias intervenções do Estado na economia sucroalcooleira. Além disso, juntamente com a crise econômica mundial ocorrida em 1929, no Brasil incidiu uma supersafra da cana-de-açúcar naquele mesmo ano, os preços chegaram a níveis muito baixos, na qual a única alternativa foi fabricar etanol com o excesso de matéria-prima da safra objetivando regular o setor.
Diante da primeira crise mundial do petróleo em 1973, na qual o preço do produto muito elevado, o Brasil era altamente dependente das importações, já que importava cerca de 80% do petróleo demandado internamente. Essa alta dependência energética passou a ter grande peso nas importações de petróleo do país, situação está que forçou o governo brasileiro a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Criado em 1975, este programa tinha como função a regulamentação do uso do etanol anidro misturado à gasolina em todo o país. (LEÃO, 2002).
Em 1989 com a política do Programa Nacional do Álcool (ProÁlcool), aproximadamente 4,5 milhões de carros no Brasil eram movidos a etanol, cerca de 60% da gasolina havia sido substituída por este combustível. Entretanto, a elevação dos preços internacionais do açúcar, aliada à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, obrigaram os produtores do setor a dedicarem maiores investimentos e elevarem a produção do mesmo, o que reduziu a oferta de etanol e provocou uma grave crise de abastecimento, com consequente perda de credibilidade por parte do consumidor em relação ao programa (VIERA e LIMA, 2006).
AGRONEGÓCIO SUCROENERGÉTICO
As usinas de açúcar e álcool são reconhecidas mundialmente pela alta produtividade no cultivo e colheita e pelo processamento do álcool e do açúcar (CAMARGO JR; OLIVEIRA, 2011). O setor sucroalcooleiro passou a ser denominado também como sucroenergético com o início da produção de bioenergia (ASSUMPÇÃO et al, 2019).
A história da agroindústria sucroenergética sofreu algumas transformações, principalmente após a década de 90, onde estiveram presentes situações como a criação dos veículos full flex e o aumento das demandas, tanto interna quanto externa, do açúcar e etanol (GILIO, 2015). Por conta dos dois principais produtos obtidos no setor – açúcar e álcool – serem itens extremamente relevantes no mercado de exportações, além de serem importantes e estratégicos para o abastecimento interno do país, o agronegócio sucroenergético é um dos segmentos de produção com maior relevância na economia do Brasil (BRAGA, 2016).
Com foco na lucratividade, as indústrias de cana-de-açúcar buscam minimizar perdas e aumentar a produtividade por área (SILVA & SILVA, 2016), visando o aumento horizontal e vertical de produção. Novas tecnologias surgem juntamente com o aumento de usinas 20 construídas a cada ano, gerando empregos e renda para a população e empresas do setor (NUNES, 2017).
Geração de Empregos
A expansão do setor, promoveu efeitos positivos na geração de empregos e renda. Com a evolução do corte manual para o corte mecanizado houve a substituição da mão de obra dos cortadores por máquinas de colheita, onde em média, cada máquina substitui cerca de 80 homens. Mas, apesar disso, é inegável que as condições de trabalho se tornaram melhores (SMEETS et al., 2008).
De acordo com dados dos anos de 2000 a 2005 avaliados por Moraes (2007), foi constatado que o desenvolvimento do setor de empregos formais de destilarias e usinas foi maior quando comparado aos empregos rurais no meio de produção canavieira, o que mostra uma maior assimilação por mão de obra técnica e qualificada, trazendo maior valorização na renda média do trabalhador do setor sucroenergético. A geração de energia no segmento de bioenergia, por exemplo, é de cerca de 150 vagas para cada unidade de energia produzida. Além do mais, a geração de empregos nessa vertente requer menos capital investido quando comparado a outras áreas (UDOP, 2021).
Desenvolvimento econômico
Considerando que áreas rurais normalmente se apresentam socioeconomicamente inferiores quando comparadas a áreas urbanas, a criação de usinas proporciona um crescimento endógeno nas cidades, nos levando a afirmar que a expansão do setor sucroenergético favorece o crescimento econômico, trazendo melhorias na condição de vida (SHIKIDA et al., 2009) até mesmo nas regiões menos desenvolvidas.
De acordo com publicação feita pelo Jornal Cana em 2014, a Associação dos Produtores de Bioenergia de MS (Biosul) realizou análises que comprovam o desenvolvimento populacional em municípios que sediam usinas canavieiras, como por exemplo a cidade Rio Brilhante, que no período entre 2000 e 2014 recebeu 3 novas usinas que empregam cerca de 3,5 mil trabalhadores, passando de 20 mil para cerca de 35 mil habitantes na cidade. A associação afirma em nota que após o fim das queimadas e do trabalho safrista, hoje os trabalhadores buscam fixar suas moradias nas cidades produtoras, sendo uma das justificativas do crescimento populacional desses municípios.
Roberto Hollanda incrementa que com o aumento da população, há uma maior circulação de renda e a criação de novos comércios, gerando maiores demandas aos gestores públicos para a implementação de serviços, resultando no desenvolvimento das cidades em questão. Em épocas de reforma nos canaviais, os aspectos econômicos também podem ser positivos com a rotação de culturas, onde podem ser implantadas culturas leguminosas como a soja, que além de representarem uma alternativa viável para controle de pragas, doenças e daninhas, serem ótimas fontes de nitrogênio para o solo por meio de simbiose com bactérias fixadoras de nitrogênio, proporcionando uma renovação de canavial de qualidade, são produtos de alto valor comercial para o comercio interno e externo, compensando cerca de 40% dos custos de implantação do novo canavial (PAVÃO et al, 2015).
Portanto, a cultura da cana também tem seu papel no avanço de novas tecnologias para a produção de grãos no país. Em épocas de estiagem, o uso de bagaço da cana é uma alternativa para reduzir os custos de produção na criação de ruminantes, sendo utilizado como volumoso suplementar de qualidade para as taxas de ganho de peso dos animais (SILVA, 2021). O bagaço também uma estratégia para a substituição do NPK em áreas de produção de ruminantes.
Preservação ambiental
Em 2008, a ÚNICA publicou a respeito de um estudo realizado por Baneree et al. (2012), relatando que para ocasionar 0,16% de aumento no desflorestamento do país, seria necessário um aumento de 121% na área cultivada com cana-de-açúcar, além de ressaltar que esses valores são pouco significantes perto dos benefícios do uso do etanol, conforme afirmado pelos autores do estudo.
Para o setor sucroenergético, programas de sustentabilidade e certificações são formas de driblar as controvérsias a respeito do setor, permitindo a obtenção de dados mais certeiros e concretos, avaliações progressivas, garantindo maior apoio de investidores, agentes, e favorecendo a internacionalização do mercado para o produto (WILKINSON et al., 2010).
As principais e maiores empresas do ramo cada vez mais se preocupam em implementar e avançar no quesito sustentabilidade e programas sociais, como forma de conservar a imagem perante os potenciais mercados internacionais (NEWBERRY, 2013). O conceito “Carbono 0” é um dos principais motivadores atuais quando se trata de preservação ambiental nas usinas. O termo nasceu do Protcolo de Kyoto, com o intuito de neutralizar a emissão de gases do efeito estufa. Com isso, as usinas aderem ao Programa RenovaBio e, através do fornecimento de CBios a cada tonelada de CO2 que foi deixado de emitir para a atmosfera, promovem o uso de combustíveis renováveis, estimulando e remunerando produtores a se enquadrarem na temática de redução do aquecimento global (FORNARO, 2021).
PANORAMA ATUAL DO SETOR SUCROENERGÉTICO 22/23
O setor sucroenergético compreende o ciclo produtivo da cana de açúcar que pode derivar em diversos produtos finais. Atualmente, no Brasil, existem 367 usinas instaladas moendo aproximadamente 657,4 milhões de toneladas, sendo assim o 2º lugar em produção de etanol e 1º em açúcar em escala global. Em termos financeiros, o PIB da cadeia sucroenergética é aproximadamente 2% do nacional, tendo mais de 1.000 municípios participando de suas atividades e gerando mais de 700 mil vagas de emprego formal.
Além destes aspectos, vale destacar que este produz aproximadamente 5% da energia elétrica consumida no país (+/- 22,6 TWh). Em resumo, o Setor Sucroenergético é vital na composição da cadeia agroindustrial do Brasil e consequentemente na economia brasileira.
Após uma temporada bastante remuneradora para toda a cadeia produtiva, o setor sucroenergético inicia a safra 2022/2023 com enormes desafios no meio político e no segmento agrícola. Do ponto de vista agronômico, os canaviais vão sofrer os impactos do legado da safra passada, entre eles a seca, geadas e queimadas. As geadas provocaram a colheita antecipada de algumas lavouras, ocasionando um desequilíbrio no planejamento das usinas. Os incêndios, por sua vez, resultaram em falhas de brotação nos canaviais.
Dessa maneira, muitas áreas iniciam a safra 2022/2023 com atraso no desenvolvimento fisiológico, falhas de brotação, aumento da infestação de plantas daninhas e de algumas pragas, como broca e cigarrinha. Devido a esses fatores, a moagem na região Centro-Sul deve atingir a marca de 568 milhões e toneladas, volume ligeiramente superior ao ciclo 2021/2022, porém, abaixo dos patamares alcançados na safra 2020/2021.
O conflito militar entre Rússia e Ucrânia tem provocado diversas repercussões sociais e econômicas, com reflexos em todo o mundo. Para o setor sucroenergético, a principal consequência está no fornecimento de insumos, afinal, cerca de 30% do volume de fertilizantes importado pelo Brasil tem origem na Rússia e Belarus, países que têm sofrido fortes sanções econômicas.
Esse fator trará um impacto direto no custo de produção da atividade. “Na safra passada, o custo para a formação do canavial era de, aproximadamente, 13 mil reais por hectare, já para essa safra as primeiras estimativas são de 16 mil reais. Com relação aos tratos culturais, na safra passada o custo para tratamento de soqueira era de 3,5 mil reais, neste ciclo esse valor saltou para 4,5 reais ou até 5 mil reais. Ou seja, os reflexos do conflito já são percebidos tanto no preço como na disponibilidade dos produtos”.
As consultorias estimam um aumento no direcionamento de cana para a fabricação dos biocombustíveis, ou seja, o mix alcooleiro deve ser de 55% e o açucareiro de 45%. Diante dessas projeções, a produção de açúcar deve atingir a marca de 34,2 milhões de toneladas e a fabricação de etanol está estimada em 25,8 bilhões de litros na safra 2022/2023.
Previa-se uma safra mais alcooleira, devido ao aumento nos preços do etanol. Porém, um ponto de atenção é a PEC dos Combustíveis que, se aprovada, irá pressionar as cotações no mercado interno. Em anos anteriores, foi observado o quão prejudicial foi a interferência do governo à cadeia produtiva do setor alcooleiro.
A produção de quilos de ATR (açúcar total recuperável) por hectare não deve sofrer grandes variações ao longo dessa safra. Entretanto, os preços não devem registrar ganhos expressivos como os observados na safra passada. O preço foi de R$0,77 por quilo de ATR na safra 2020/2021, saltando para o patamar de R$1,20 para a safra 2021/2022 e para esse novo ciclo a perspectiva é que o preço se mantenha estável, porém, sem grandes aumentos. Ou seja, os preços irão se manter, mas os custos irão subir e isso deixará as margens um pouco mais apertadas.
Em resumo, o passado recente o que se nota é uma retomada da lucratividade do setor sucroenergético, buscando adequação às novas tendências ambientais e produtivas. Desta forma, o que se espera é que nos próximos anos tenhamos um setor mais forte e resiliente, com expansão de sua atividade e aprendizados do passado.