Uso agrícola do Carbendazim no Brasil
Os fungicidas são por definição agentes químicos capazes de matar os microrganismos conhecidos como fungos. No meio agrícola, cerca de 19 mil fungos podem causar doenças em plantas. Não por acaso, anualmente, um terço da produção agrícola é perdida devido a doenças fúngicas. Estas perdas atingem, inclusive as cinco principais culturas de alimento (soja, batata, arroz, milho e trigo) e se tais prejuízos fossem evitados se poderia suprir a demanda por comida de grande parte da população mundial. Como exemplo, nos Estados Unidos, estima-se que os prejuízos anuais causados por doenças fúngicas invasoras seja na ordem de $ 21 bilhões de dólares. Tais perdas poderiam ser ainda maiores, caso não houvesse o emprego de fungicidas capazes de controlar o desenvolvimento desses fungos.
Os fungicidas, ao atingirem seu alvo, costumam barrar vias bioquímicas específicas e podem ser, basicamente, de dois tipos: sistêmicos ou não-sistêmicos. Os sistêmicos são aqueles que ao serem absorvidos pelas plantas acabam sendo distribuídos por toda a planta, enquanto os não-sistêmicos tem ação apenas no local aplicado.
A introdução dos fungicidas sistêmicos do grupo dos benzimidazóis, na década de 60, tornou-se um marco na história do desenvolvimento dos fungicidas. Os benzimidazóis são utilizados no tratamento de sementes e de solos e em aplicações foliares. Dentre os fungicidas desse grupo, os mais utilizados são: benomil, tiofanato-metílico e carbendazim. No Brasil, os benzimidazóis são aplicados em culturas de algodão (sementes), citros (folhas), feijão (sementes e folhas), soja (sementes e folhas), trigo (folhas)e numa grande variedade de frutas e vegetais. Cabe destacar que para as doenças Colletotrichum truncatum e Fusarium pallidoroseum que assolam a cultura do feijão e Rhynchosporium secalis que ataca o arroz não há qualquer outro produto eficaz no mercado.
O carbendazim constitui o ingrediente ativo mais utilizado do grupo dos fungicidas benzimidazóis contra grande variedade de doenças, como as causadas pelos fungos Ascomicetos spp., Basidiomicetos e Deuteromicetos spp. em culturas de frutas e vegetais. O produto, isoladamente ou em combinação com outros ingredientes ativos é uma importante ferramenta no tratamento de sementes de algodão, arroz, feijão, milho e soja, sendo efetivo e registrado (www.agrofit.agricultura.gov.br) para controle de diversas espécies de fungos: Aspergillus flavus, Bipolaris oryzae, Cercospora kikuchii, Colletotrichum lindemuthianum, Colletotrichum gossypii, Colletotrichum truncatum, Diaporthe phaseolorum, Fusarium moniliforme, Fusarium oxysporum f.sp. vasinfectum, Fusarium pallidoroseum, Fusarium solani, Helminthosporium maydis, Penicillium oxalicum, Phoma sorghina, Phomopsis sojae, Pyricularia grisea, Rhynchosporium secalis, Rhizoctonia solani. Esta lista inclui patógenos presentes na própria semente assim como no solo.
Dessa maneira, o tratamento com o carbendazim resulta em melhor estabelecimento das plantas, maior vigor inicial, volume de raízes e índice de área foliar, com reflexos positivos na produtividade das lavouras. Além disso, os produtos formulados à base de carbendazim possuem um baixo custo para os agricultores, pois o ingrediente ativo está livre de patentes, sendo produzido por várias empresas com diferentes formulações disponíveis no mercado brasileiro.
Uso do carbendazim no mundo
O produto é permitido:
- Na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai, Paraguai e Equador;
- Na Costa Rica e Honduras;
- Na China;
- Na Austrália (Autoridade Australiana de Pesticidas e Medicina Veterinária – APVMA), houve a manutenção do uso agrícola para várias culturas, mas com restrições após a reavaliação (proibição do uso em plantas ornamentais, gramados, uva, drupas, maçã e pera).
O produto é proibido:
- Na União Europeia (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar – EFSA) o produto foi proibido ao ser classificado como 1B para toxicidade reprodutiva e mutagenicidade de acordo com o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Substância Químicas (GHS – Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals).
- No Reino Unido e Suíça;
- Nos EUA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos – USEPA), não há aprovação para uso agrícola, sendo autorizado apenas para uso em plantas ornamentais e como preservativo industrial.
- No Canadá, o Carbendazim também é aprovado exclusivamente para uso não agrícola como preservativo industrial e para uso em espécies de olmo, representando risco mínimo para trabalhadores e meio ambiente (Agência Regulatória de Manejo de praga – PMRA).
- No Marrocos, Moçambique, Egito;
Suspensão cautelar
- Em 21 de junho de 2022, a Diretoria Colegiada da ANVISA deliberou por suspender, de forma cautelar, a importação, produção, comercialização e distribuição de produtos que contenham o ingrediente ativo Carbendazim, até que ocorra a conclusão do processo de reavaliação, prevista, conforme cronograma votado pela própria Diretoria da ANVISA, para o próximo dia 08 de agosto de 2022.
- Essa decisão de suspensão cautelar foi tomada poucos meses depois da mesma Diretoria Colegiada da Agência ter deliberado por maioria, por complementar a avaliação da Análise do Impacto Regulatório – AIR, determinando a oitiva do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Embrapa, Ibama, Ministério da Saúde, bem como de toda a sociedade através de uma Tomada Pública de Subsídios (TPS).
- A justificativa da Anvisa para a suspensão foi baseada em estudos que o consideram mutagênico e tóxico para a reprodução e para o desenvolvimento pelas principais autoridades regulatórias internacionais (PMRA, 2011; EFSA, 2010; APVMA, 2012; USEPA, 2014).
- A medida traz consequências ao setor do Agronegócio. Dados obtidos a partir de levantamento parcial elaborado pelas empresas que compõe a Força Tarefa para a Reavaliação do Ingrediente Ativo Carbendazim (no total são 21 empresas e esses dados remontam produtos de apenas 10 empresas), apontam que, em razão da suspensão em questão há hoje:
- 487,27 Toneladas de Produtos Técnicos estocados aguardando formulação;
- 2.810.243 litros de produtos formulados estocados;
- 1.343.580 litros de produtos formulados em canais de distribuição.
- Essa situação não somente acarretará a falta do produto no mercado (existem 1.619.689 Litros com ordens abertas/pedidos de venda), em um momento prestes ao início do tratamento de sementes de soja com o referido produto e, ainda de sua aplicação na cultura do trigo, mas também, gerará um passivo ambiental de proporções nunca vista no âmbito da agricultura nacional.
- A Força Tarefa aponta que existem 1.492 Toneladas de Produtos Técnicos e 392.000 Litros de produtos formulados objeto de importações em curso, apenas para 10 empresas. Na medida que esses produtos forem chegando e não havendo a possibilidade de sua entrada e/ou escoamento no País, haverá um verdadeiro caos nos canais de entrada e um possível abarrotamento de processos judiciais visando a sua liberação.
Efeitos das restrições do Carbendazim
Fonte: Blink projetos estratégicos
Reunião extraordinária da diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
Segundo decisão da diretoria colegiada da Anvisa, o carbendazim possui evidências de carcinogenicidade, mutagenicidade e toxicidade reprodutiva, não sendo possível encontrar um limiar de dose seguro para a população, definindo, assim, a eliminação gradual da substância da seguinte forma:
- Imediata – proibição de importação do PT e PF;
- 3 meses – proibição da produção do PF;
- 6 meses – proibição da comercialização do PF;
- 12 meses – proibição da exportação do PT e PF;
- 14 meses – descarte adequado Uso até o esgotamento (validade do produto de 2 anos)
(PT – Produto Técnico; PF – Produto Formulado).
- A decisão foi tomada com base nas agências internacionais, como Autoridade Australiana de Pesticidas e Medicina Veterinária (APVMA), Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA), Agência Regulatória de Manejo de praga (PMRA), principalmente a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA).
- Contudo, os produtos formulados à base de carbendazim são indicados para o tratamento de sementes, o que, combinado ao alto fator de absorção por vegetais que apresenta, reduz os riscos saúde humana e ao meio ambiente devido à modalidade de emprego.
- Não há nenhuma articulação fundamentada em dados técnicos conclusivos a respeito dos supostos malefícios que a substância em debate poderia causar à saúde humana, justamente porque a discussão perante a comunidade científica é bastante controvertida.
- Ainda, justamente em razão da complexidade do assunto e por não existir na comunidade científica estudos uníssonos e conclusivos em relação à prejudicialidade do produto para a saúde humana, não foi apresentada prova suficiente que embase a proibição.
Principais impactos da medida no Agronegócio
- Nessa hipótese, o impacto da ausência do uso da substância no tratamento de sementes de Feijão para os alvos registrados é aumento de +8,7% nos custos. Para soja, o aumento dos custos é de aproximadamente +7,1%, para milho safrinha de +16,4% e de algodão é de +11%.
- No tratamento de sementes, performance do Carbendazim gera ganho produtivo para soja e milho, em comparação com as alternativas de controle analisadas.
- Com isto, o potencial de ganho produtivo com a adição desta molécula em conjunto com outras ferramentas é de 3,9 milhões de toneladas de soja.
Fonte: Elaboração IPA
- Cabe ressaltar que o arroz e feijão fazem parte da cesta básica, assim como a soja e o milho refletem no preço de seus derivados, também componentes da cesta básica, como óleo de soja e de milho. Atualmente, a população enfrenta uma realidade de elevados preços de alimentos, influenciando diretamente no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulando alta de 11,89% em 12 meses (junho de 2022). A cesta básica, em julho de 2022, atingiu o máximo de R$ 760,46 em São Paulo e o mínimo de R$ 542,50, em Aracaju.
- Segundo dados da Dieese, considerando o salário mínimo líquido, em julho de 2022, o trabalhador precisou comprometer 67,83% da remuneração para adquirir os produtos da cesta básica, que é suficiente para alimentar um adulto durante um mês.
- A retirada do ingrediente ativo sem ter os devidos produtos substitutos apontados e o mercado abastecido causará impacto direto em toda a cadeia, desde a base, com o produtor rural até o consumidor final.
Fonte:
<Daniela_Resende_Carrijo.pdf (usp.br)>
<Microsoft Word – Pesquisa Nacional Cesta Alimentos 07 22.docx (dieese.org.br)>