Resumo Executivo – PL nº 4063 de 2019
Autor: Luiz Philippe de Orleans e Bragança – PSL/SP | Apresentação: 11/07/2019 |
Ementa: Altera a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, para determinar a instauração de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica sempre que uma empresa ou grupo de empresas controlar um terço ou mais de mercado relevante.
Orientação da FPA: Contrária ao projeto
Comissão | Parecer | FPA |
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DES. ECONÔMICO, INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS (CDEICS) | 19/04/2021 – Parecer do Relator, Dep. Guiga Peixoto (PSL-SP), pela aprovação deste, com substitutivo, e pela rejeição da Emenda 1/2019 da CDEICS. Inteiro teor | Contrária ao parecer do relator |
CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA (CCJC) | – | – |
Principais pontos
- Busca alterar a Lei nº 12.529/2011, a “Lei de Defesa da Concorrência”, para “determinar a instauração de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica sempre que uma empresa ou grupo de empresas controlar um terço ou mais de mercado relevante”.
- Em suma, determina que sempre que uma empresa, ou grupo de empresas, controlar um terço ou mais de mercado relevante, será instaurado inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, sem prejuízo de outras ações de defesa da concorrência.
- A justificativa do projeto se apoia no artigo 170 da CF/1988, que estabelece que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando diversos princípios, inclusive a livre concorrência e defesa do consumidor, e no §4º do artigo 173 da Carta Magna, que prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
- Considerando os mencionados dispositivos constitucionais, a justificativa conclui que o projeto “pretende definir regra de ação significativa para a defesa da concorrência no Brasil, buscando prevenir abusos do poder econômico em atividades com excessiva concentração de mercado”.
- O Relator designado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS), Dep. Guiga Peixoto, se manifestou pela aprovação do projeto, na forma de Substitutivo, afirmando que a “dominação de dado setor de mercado relevante prejudica o crescimento de outros mercados”, “em detrimento do bem estar da sociedade”, de forma que “a instauração de inquérito administrativo para a apuração de infrações à ordem econômica, quando houver controle de um terço ou mais de mercado relevante, constitui iniciativa que deve trazer ganhos e higidez para a nossa defesa da concorrência”.
- O Projeto de Lei está em tramitação na Câmara dos Deputados, onde ainda aguarda aprovação pela CDEICS e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Em 11/12/2019, foi aprovado requerimento para realização de audiência pública visando debater a proposta.
Justificativa
- Fatores que devem ser sempre analisados para justificar a intervenção do Estado na economia são: (i) a existência de uma falha de mercado; (ii) se a referida falha é grande o suficiente; e (iii) se a atuação do Estado será capaz de obter um resultado ou alocação melhor de recursos do que a obtida pelo livre mercado.
- Dito isso, entendemos que o PL nº 4.063/2019 possui falhas de motivação, não demonstrando a existência de falha de mercado e desconsiderando elementos importantes da teoria econômica e concorrencial. Além disso, possui potencial para gerar efeitos negativos indesejados sobre a concorrência.
- A Lei nº 12.529/2011 estabelece, em seu artigo 36, que constituem infração contra a ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.
- Note-se que não basta a existência de posição dominante para que se esteja diante de um ilícito concorrencial: deve existir um abuso de tal posição.
- Ainda, a Lei de Defesa da Concorrência é clara, no §1º do art. 36, ao determinar que a “conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito” de “dominar mercado relevante de bens ou serviços”.
- De fato, um erro comum é considerar que o mero tamanho de uma empresa, ou a detenção de parcela relevante de mercado, é algo que deve ser combatido como um fim em si mesmo, ao passo que, muitas vezes, é a busca por tal crescimento que justifica investimentos em inovação, diferenciação, eficiência e precificação agressiva, que no fim das contas favorecem os consumidores.
- Ainda, não se pode perder de vista que, apesar de a verificação do market share ser uma etapa extremamente importante na análise concorrencial, igualmente importantes são a hipótese de entrada e rivalidade efetiva, que limitam a capacidade de um player dominante abusar da sua posição.
- Não por outros motivos, o CADE, instado a se manifestar sobre o PL nº 4.063/2019 pela Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares do Ministério da Justiça e Segurança Pública, defendeu que, não obstante a “ótima intenção” dos deputados que o propuseram e relataram, o projeto apresenta sérios problemas em relação aos objetivos que pretende alcançar.
- Segundo o CADE, deve se ter em mente que a mera detenção de posição dominante não representa, necessariamente, poder de mercado, que consiste na “capacidade de uma empresa aumentar preços sem perder seus clientes”. De fato, como bem apontado pela autoridade antitruste brasileira, a constatação de poder de mercado passa por uma análise complexa, que inclui variáveis como a existência de barreiras à entrada, a possiblidade de importações e o nível de rivalidade. Isto significa que, mesmo que uma empresa tenha elevada participação de mercado, se a decisão unilateral de aumentar os preços puder ser contestada pela relação de seus concorrentes (inclusive potenciais), então não há que se falar em poder de mercado.
- Além disso, fica claro que só é possível falar em poder de mercado após definir corretamente o mercado relevante, sendo este definido como um produto ou grupo de produtos, em uma área geográfica específica, em que uma firma monopolista poderia impor um pequeno, mas significativo e não transitório aumento de preços, sem que com isso seus consumidores migrassem para o consumo de outro produto ou passassem a consumir em outra região. Como aponta a manifestação do CADE, o mercado relevante deve ser definido em cada caso concreto, o que demanda tempo e recursos da autoridade: bens escassos, considerando a estrutura reduzida de servidores.
- Isto leva para o terceiro ponto da manifestação do CADE, que, assim como este trabalho, é contra o referido projeto: a alteração legislativa geraria uma grande carga de trabalho adicional, que recairia tanto sobre a autoridade, que já possui estrutura limitada, quanto sobre as empresas, que deverão destinar recursos para lidar com os processos. Segundo o CADE, “seriam milhares de empresas, de todos os portes, sendo obrigadas a contratar advogados especializados em Direito Concorrencial para se defenderem” em inquéritos sem qualquer indício de ilícito concorrencial, que não a mera detenção de um terço do mercado relevante.
- A Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade – SEPEC, do Ministério da Economia, também se posicionou contrariamente ao PL nº 4.063/20196. Em apertada síntese, a manifestação da SEPEC aponta que: (i) o mero domínio de uma parcela de mercado significativa não acarreta, automaticamente, em abuso de posição dominante, já que o conceito de poder de mercado está baseado na capacidade de uma empresa aumentar preços sem perder seus clientes; (ii) o próprio texto da Lei de Defesa da Concorrência adverte, em seu artigo 36, sobre a possibilidade de que uma empresa conquiste mercado justamente por ser mais eficiente que as demais, sem precisar lançar mão de expedientes anticompetitivos; e (iii) o PL poderá ter consequências anticompetitivas por potencialmente inibir ou constranger empresas a buscarem aumentar participação de mercado legitimamente, além de possivelmente aumentar os custos de funcionamento o CADE.
- Como já mencionado, além das falhas de motivação aqui apontadas, o PL nº 4.063/2019, de forma totalmente contrária ao seu objetivo inicial, pode gerar um efeito indesejado (ou falha de governo): qualquer crescimento, que é um dos motivadores da atividade empresarial no sistema capitalista, ainda que orgânico e fundado na eficiência, será penalizado ou desmotivado, sinalizando aos mercados que não é importante contar custos, inovar tecnologicamente, criar empregos, entre outros fatores.
- Isto sem mencionar que a mera abertura do Inquérito Administrativo já representa um pesado ônus sobre qualquer empresa – tendo em vista a necessidade de contratação de advogados, os recursos necessários para preparação de informações a serem fornecidas, as contingências contábeis e o ônus de acompanhamento; e a própria impossibilidade de que a estrutura do CADE, já sobrecarregada, comporte os inúmeros inquéritos que deverão ser abertos, para lidar não só com grandes conglomerados, mas até mesmo com pequenos comércios, como supermercados locais com poucos ou nenhum concorrente. Na prática, isso significa desviar recursos do CADE para lidar com casos de nenhuma importância, ao passo que investigações realmente significativas para promover a concorrência no Brasil, como investigações de cartéis e de outras condutas realmente abusivas, ficarão prejudicadas.
Fonte: Lemos & Oliveira e Silva. Boletim Economia Empírica Vol 1.