Resumo Executivo – Vetos Fiagro (Lei 14.130/21)
Principais pontos
- Fundos são uma espécie de “condomínio” de investidores. Eles reúnem os recursos de diversas pessoas, para que sejam aplicados em conjunto no mercado financeiro e de capitais. Os ganhos obtidos com as aplicações são divididos entre os participantes, na proporção do valor depositado por cada um. A soma do dinheiro dos investidores forma o patrimônio do fundo, que é aplicado por uma instituição ou profissional (gestor). As decisões sobre o que fazer com os recursos devem obedecer a objetivos e políticas predefinidos.
- O Projeto de Lei que concebeu o Fiagro optou por inseri-lo no âmbito da Lei n° 8.668, de 25 de junho de 1993, que é uma lei de natureza tributária, criada para disciplinar os Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Com isso, pretendia-se estender ao Fiagro o mesmo tratamento tributário conferido aos FII, conferindo isonomia do tratamento entre os setores imobiliário e do agronegócio.
- Os FII são formados por grupos de investidores com o objetivo de aplicar recursos em diversos tipos de investimentos imobiliários, seja no desenvolvimento de empreendimentos ou em imóveis já prontos, como edifícios comerciais, shopping centers e hospitais.
- Já o Fiagro, poderá ser constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado, com prazo de duração determinado ou indeterminado, e poderá realizar a aquisição de quaisquer dos ativos: (i) imóveis rurais; (ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia agroindustrial; (iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas ou jurídicas que integrem a cadeia agroindustrial; (iv) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio; (v) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos.
Vetos
- Havia grande expectativa dos mercados financeiro e do agronegócio em torno da criação do Fiagro, em virtude de sua versatilidade como instrumento de financiamento das cadeias produtivas agroindustriais, que representam grande parte da geração do PIB brasileiro.
- Infelizmente, com a sanção presidencial, todos os temas de natureza tributária do Projeto de Lei aprovado no Congresso foram vetados.
- Os vetos foram propostos pelo Ministério da Economia, que alegou que os dispositivos implicavam em renúncia de receita, e não havia previsão de corte equivalente de despesa, prazo de vigência dos benefícios e estimativa de impacto orçamentário, como manda a legislação.
Tema 1: Isenção de IR nas distribuições aos cotistas do fundo quando preenchidas determinadas condições, como por exemplo a necessidade de existência de mais de 50 cotistas
Dispositivos vetados | O que dispunham? |
§ 5º do art. 16-A da Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, com a redação dada pelo art. 3º do projeto | Não estão sujeitas à incidência do imposto de renda na fonte prevista no caput deste artigo as aplicações efetuadas pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), de que trata o art. 20-A desta Lei, nos ativos relacionados nos incisos IV e V do caput do art. 3º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004. |
inciso III do “caput” do art. 3º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, com a redação dada pelo art. 4º do projeto | na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, os rendimentos distribuídos pelos Fundos de Investimento Imobiliário e pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado; |
inciso I do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, com a redação dada pelo art. 4º do projeto | será concedido somente nos casos em que os Fundos de Investimento Imobiliário ou os Fiagro possuam, no mínimo, 50 (cinquenta) cotistas; |
inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 11.033, de 21 de Dezembro de 2004, com a redação dada pelo art. 4º do projeto | não será concedido ao cotista pessoa física titular de cotas que representem 10% (dez por cento) ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo Fundo de Investimento Imobiliário ou pelos Fiagro, ou ainda cujas cotas lhe derem direito ao recebimento de rendimento superior a 10% (dez por cento) do total de rendimentos auferidos pelo fundo. |
Argumentos para a derrubada dos vetos
- Quando falamos da tributação dos fundos de investimento, lembramos de dois impostos: o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A incidência do Imposto de Renda depende do tipo de fundo de investimento no qual você investe. Os de ações se encaixam em uma regra, enquanto os chamados de curto prazo em outra e os de longo prazo em uma terceira regulação.
- O Projeto de Lei que concebeu o Fiagro optou por inseri-lo no âmbito da Lei n° 8.668, de 25 de junho de 1993, que é uma lei de natureza tributária, criada para disciplinar os FII. Com isso, pretendia-se estender ao Fiagro o mesmo tratamento tributário conferido aos FII, conferindo isonomia do tratamento entre os setores imobiliário e do agronegócio.
- Logo, os rendimentos e ganhos líquidos dos fundos de investimento imobiliário rurais, em aplicações de renda fixa e variável, estarão sujeitos ao imposto de renda na fonte. As exceções ao pagamento do imposto estão estipuladas na mesma lei dos fundos imobiliários urbanos e não foram alteradas (§§ 1º a 3º – Art. 16A da lei 8668 de 1993).
- Ou seja, o Fiagro não inova na forma de tributação dos fundos imobiliários rurais. A proposta realizou somente uma adequação às demais hipóteses de tributação de fundos imobiliários já existentes.
- Por outro lado, os FII (e assim também seria o Fiagro) são alternativas de investimento atrativas para investidores pessoas físicas: rendimentos distribuídos pelo fundo a estes cotistas estão sujeitos a isenção do IRRF quando:
- o fundo tiver mais de 50 cotistas pessoa física;
- suas cotas forem transacionadas em mercados organizados (bolsa ou balcão);
- nenhum cotista pessoa física detiver mais de 10% das cotas ou direito de auferir mais de 10% dos rendimentos do fundo.
- Além disso, para evitar a perda da eficiência tributária do investidor que goza do benefício da isenção, as aplicações do Fiagro são isentas quando ele aplicar seus recursos em títulos do agronegócio (como Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, Letras de Crédito do Agronegócio – LCA, entre outros), que também conferem a isenção para pessoas físicas.
- No caso do FII, por exemplo, se um cotista tiver mais que 25% do total das cotas e for sócio ou construtor do empreendimento no qual o fundo investe, perdem-se os benefícios de isenção dessa carteira imobiliária e o fundo passa a ser tributado como pessoa jurídica. A mesma lógica seria estendida aos Fiagro.
- A lógica da isenção para o fundo aqui é clara: se o investidor pessoa física adquirisse esses ativos diretamente ele gozaria da isenção; logo, ele não deveria ser penalizado com a perda da isenção por adquirir esses títulos por meio do fundo de investimento.
Tema 2: Diferimento (adiamento) do recolhimento do IR sobre
o ganho de capital apurado na integralização de bens no fundo, como de imóvel
rural
Dispositivos vetados | O que dispunham? |
§ 1º do art. 20-E da Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, com a redação dada pelo art. 3º do projeto | O pagamento do imposto sobre a renda decorrente do ganho de capital sobre as cotas integralizadas com imóvel rural por pessoa física ou jurídica poderá ser diferido para a data definida para o momento da venda dessas cotas, ou por ocasião do seu resgate, no caso de liquidação dos fundos. |
§ 2º do art. 20-E da Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, com a redação dada pelo art. 3º do projeto | Na alienação ou no resgate das cotas referidas no § 1º deste artigo, o imposto sobre a renda diferido será pago em proporção à quantidade de cotas vendidas. |
Argumentos para a derrubada dos vetos
- Os Fiagro traziam uma novidade em relação aos FII: o Projeto de Lei aprovado previa o diferimento do Imposto de Renda sobre ganho de capital na venda de imóveis rurais ao fundo, quando o pagamento for feito em cotas do próprio fundo e na proporção desta sobre o valor total do imóvel.
- Trata-se de regra de extrema relevância: o produtor, ao contribuir com seu imóvel para a formação do patrimônio do fundo, recebendo em contrapartida cotas, é obrigado a reconhecer o valor de mercado de imóvel e consequentemente teria um ganho de capital que resultaria na necessidade de recolhimento de imposto de renda, ainda que ele não tenha tido efetiva disponibilidade da renda.
- Isto faria com que muitos produtores tivessem que antecipar caixa para pagamento de um imposto sem ter efetivamente recebido dinheiro pela venda do imóvel.
- Logo, muitos negócios deixariam de se concretizar (como já ocorrer hoje com os FII), perdendo-se importante incentivo não apenas para movimento da economia, mas para a própria regularização fundiária no país.
- Ou seja, não há renuncia, uma vez que não existe benefício ou isenção, pois o imposto será pago em um momento futuro.
- Ao contrário, o Fiagro fará com que novas receitas tributárias surjam, oriunda de novas operações societárias e empresariais, novos contratos e emissão de títulos entre outros.
- Novamente, o Fiagro não inova na forma de tributação dos fundos imobiliários rurais. A proposta realizou somente uma adequação às demais hipóteses de tributação de fundos imobiliários já existentes.
- Demais adequações tributárias do Fiagro também sem inovações:
- Rendimentos e ganhos de capital, quando distribuídos, pagam IR de 20%;
- Rendimentos e ganhos de capital, auferidos na alienação ou no resgate de cotas, pagam IR de 20%.
- Conclusão, o Fiagro não cria novos benefícios, ou incidências exclusivas, ele tão somente adequa as situações já existentes dos demais fundos aos Fiagros.
Avaliação do Impacto Fiscal
- Dada as similaridades dos dois instrumentos financeiros e de seus mercados, pretende-se harmonizar o Fiagro ao FII no mesmo arcabouço legal e regulamentar. E, naturalmente, a experiência de sucesso do FII torna-se um bom ponto de partida para se predizer qual será o impacto fiscal do Fiagro após sua implantação. Nesse sentido, foram reproduzidos, a seguir, dados históricos do informativo da Anbima sobre os FIIs:
Data-base | PL em R$ milhões deflacionados | No. de FII | No. de contas |
Dec-01 | – | – | – |
Dec-02 | 1.227 | 15 | n.d. |
Dec-03 | 1.142 | 14 | n.d. |
Dec-04 | 1.022 | 15 | n.d. |
Dec-05 | 971 | 14 | n.d. |
Dec-06 | 481 | 14 | 89 |
Dec-07 | 763 | 15 | 85 |
Dec-08 | 748 | 14 | 262 |
Dec-09 | 1.808 | 10 | 3.758 |
Dec-10 | 6.353 | 20 | 4.888 |
Dec-11 | 19.014 | 33 | 14.989 |
Dec-12 | 50.636 | 82 | 124.930 |
Dec-13 | 63.153 | 199 | 144.392 |
Dec-14 | 84.966 | 221 | 163.399 |
Dec-15 | 93.480 | 245 | 203.900 |
Dec-16 | 90.492 | 273 | 236.576 |
Dec-17 | 94.198 | 307 | 299.689 |
Dec-18 | 111.799 | 363 | 499.012 |
Dec-19 | 158.486 | 452 | 1.944.298 |
Dec-20 | 169.081 | 540 | 4.054.014 |
Jan-21 | 166.225 | 541 | 4.256.218 |
- O primeiro aspecto que chama a atenção na tabela acima é a capacidade dos FIs carrearem funding para o respectivo setor. Nos últimos dois anos, os FIIs têm garantido um montante próximo a R$170 bilhões de reais para o setor imobiliário (vide coluna da evolução do Patrimônio Líquido em moeda deflacionada dos FIIs), ajudando a impulsionar o setor da construção civil, que responde por cerca de 6% do PIB nacional. Importante destacar também que para o governo o retorno também é grande: A cada R$ 100,00 investidos na construção civil, R$ 25,00 voltam em impostos para os cofres públicos.
- Mesmo não sendo possível fazer uma correlação perfeita com o agronegócio, que abrange os segmentos de insumos, agropecuária (setor primário), agroindústria e agrosserviços, fica claro o potencial do Fiagro dentro de um setor que movimentou cerca de R$2 trilhões na economia no ano passado, equivalente a 26,6% do PIB brasileiro. Vale destacar que o fundo investirá diretamente em ativos dos principais elos da cadeia do agronegócio – a agropecuária e a agroindústria – impulsionando também os demais – insumos e agrosserviços.
- Assim, não é exagerado dizer que o Fiagro, com o tempo, tem potencial para carrear e manter no setor do agronegócio recursos superiores aos anunciados nos Planos Safra, que ficaram na casa dos R$237 bilhões no ano agrícola 2020/2021 e, nessa esteira, aumentar a arrecadação do Estado em dezenas de bilhões de reais.
- Se, no longo prazo, o Fiagro terá valiosa contribuição para as contas públicas, seus efeitos serão sentidos já no curto prazo, em função de seu compromisso com as melhores práticas de governança corporativa e de compliance o que, naturalmente, acelerará o processo “pejotização” no campo. Com isso, haverá aumento de arrecadação do IR nas atividades rurais que deixarem de ser conduzidas por pessoas naturais, cujo regime tributário é favorecido.
- Outro efeito positivo para o Fisco será a diminuição da prática de contratos de “parceria rural” em favor dos contratos de “arrendamento rural”, refletindo corretamente a relação contratual de fato pois, segundo constatações anedóticas, muitos contratantes, para evitar tributação mais onerosa, desvirtuam a natureza do contrato celebrado.
- Finalmente, as transações envolvendo propriedades rurais e o Fundo também se refletirão positivamente nas contas do Governo por duas razões: (i) o Fiagro terá que fazer avaliação precisa desses imóveis para entregar o número justo de cotas para seu dono e, (ii) quando houver a tributação do ganho de capital, essa será calculada a partir da alíquota de 20% (ganhos de capital pela alienação de cotas de fundos) ao invés da alíquota de 15% (ganho de capital decorrente da variação de preço do imóvel rural). De se lembrar que tais imóveis ficam blindados nos ativos do Fiagro, conforme previsto no artigo 7º. da Lei 8668, o qual se aplicará in totum ao novo fundo e a tendência dessas cotas é a de se valorizarem com o tempo, como a experiência agregada dos FIIs demonstra.
Fontes:
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Portal da Câmara dos Deputados. Lei cria modalidade de fundo de investimento para agronegócio.
VBSO Advogados. NOTA TÉCNICA. LEI DO FIAGRO É APROVADA COM VETOS QUE INUTILIZAM O INSTRUMENTO.