Desmatamento e Consumo de Carne
Toda brasileiro deveria aprender na escola, desde cedo, que seu país ocupa posição de grande visibilidade e influência em dois setores de importância vital para o futuro da humanidade: meio ambiente e segurança alimentar. Nossas vidas são inevitavelmente influenciadas pelo fato de o Brasil ter sido agraciado com a maior extensão de florestas tropicais e com a maior diversidade biológica do planeta, condições compartilhadas com a posição de grande produtor e exportador de alimentos.
A tarefa não é nada fácil nesses tempos em que desinformação, análises rasas e preconceitos se alastram com grande facilidade. Apesar da extraordinária trajetória recente do Brasil na produção de alimentos, há crescente disseminação de pessimismo e mitos, que inflam os problemas e desqualificam os avanços que o país alcançou na agropecuária e na gestão dos seus recursos naturais.
Recentemente, foi publicado o artigo “Por que reduzir o consumo de carne é a coisa mais certa a fazer” de autoria do colunista Marcelo Leite. Nesse documento, serão rebatidas as análises ingênuas e maldosas contidos no artigo.
Argumento 1
Mais da metade do desmatamento da Amazônia é ilegal e a maior parte está relacionada a produção de gado.
A devastação da Amazônia e a crise climática planetária está relacionada à pecuária na Amazônia.
Para entender melhor a ocupação humana na região Norte, há que se considerar que existem duas Amazônias no Brasil: a) uma, delimitada pelo bioma Amazônia, cobrindo 4,2 milhões de km², 49,4% do território brasileiro; b) outra, a Amazônia Legal, com 5,2 milhões de Km², definida politicamente, na época do regime militar.
Percebam que a Amazônia Legal é 20% maior que o bioma Amazônia. De onde vem a diferença? Do fato que a Amazônia Legal inclui grandes áreas de cerrado, como aquelas existentes em Rondonópolis e Sinop (Mato Grosso), Balsas (Maranhão) e Palmas (Tocantins). Veja no mapa:
Grande parte da exploração da Amazônia brasileira ocorre fora do bioma Amazônia. Neste, a preservação do território original é de 86,2%, sendo 2,1% de áreas alagadas. Conclusão: em 500 anos de ocupação, o Brasil explorou 13,8% da floresta amazônica, dos quais 12,8% se encontram na agropecuária.
Quanto ao bioma Amazônia, não se sabe ao certo quanto dele já foi desmatado. As informações existentes permitem afirmar que está próximo de 5%, ou seja, 95% da floresta tropical original – a Hileia – ainda estaria intocada.
Considerando a tendência histórica de redução no desmatamento, é um mito supor que a Amazônia vai desaparecer ou entrar em colapso ambiental. Felizmente. Em terceiro lugar, é importante saber quem são os agentes responsáveis pelo desmatamento da Amazônia.
Em 2016 ocorreu um pico no desmatamento na região. As informações oficiais, com dados básicos coletados pelo INPE, apontam que aquela forte supressão florestal aconteceu: 1) em terras privadas (35,4%); 2) em assentamentos de reforma agrária (28,6%); 3) em terras devolutas (24%); 4) nas unidades de conservação (11,8%). Ou seja, 64,4% dos desmatamentos não são provenientes de fazendeiros.
Percebe-se ser falso acreditar que somente os grandes fazendeiros desmatam a Amazônia. O lenho da floresta cede à motosserra dos pobres assentados de reforma agrária tanto quanto atende aos madeireiros dentro de áreas que deveriam estar protegidas.
Nesse contexto territorial complexo é fundamental qualificar os processos de desmatamento e superar o simples anúncio anual da área desflorestada. Esses processos, associados à dinâmica do uso das terras, prosseguem combinando tempo e espaço de forma variada, em toda região, com diversos atores e interesses cuja identificação é necessária à compreensão do fenômeno.
Desmatamentos seguirão ocorrendo no bioma Amazônia. Eles estão autorizados dentro dos limites impostos pelo Código Florestal, um dos mais rigorosos do planeta. Apenas um máximo de 20% do imóvel rural pode ser aberto e explorado. Os outros 80% devem ser preservados e cuidados pelo produtor a título de “reserva legal”.
Em milhares de situações, a unidade de produção rural não coincide com a unidade de gestão, nem ambas com a unidade de renda, nem com a unidade de consumo e de domicílio. Uma pessoa, por exemplo, pode viver parcialmente do extrativismo de castanha ou seringueira na época da colheita, mas planta áreas com mandioca e milho, mantem rebanho bovino em outro local, recebe renda extra agrícola, parte de sua família trabalha na cidade próxima etc.
Argumento 2
Segundo a FAO (2006) a pecuária é responsável por 14,5% da crise do clima.
Já ONG Worldwatch Institute (2009) aponta que 51% da crise do clima está relacionada à pecuária.
80% desta produção se destina ao mercado interno, não à exportação.
A indústria da carne é de extrema importância ao Brasil e ajuda a movimentar a nossa economia de uma forma bastante significativa. As Exportações de Carne ocupam a 6ª colocação no Ranking dos Principais Produtos Exportados pelo Brasil.
A pecuária se relaciona de forma harmoniosa com os diversos biomas onde ocorre, inclusive com a Amazônia. De fato, a atividade preserva mais que qualquer outra atividade: (Preservação em áreas rurais é 108% maior que nas áreas de conservação e terras indígenas). A pecuária evitou desmatamento de 270 milhões de hectares.
A pecuária é ainda a atividade que mais investe em preservação. Produtores investem cerca de R$20 bilhões por ano para preservar o meio ambiente. A tecnologia possibilitou o aumento da produtividade sem a necessidade abertura de novas fronteiras para pastagem. Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontam, por meio de estudos realizados durante décadas, que a pecuária brasileira alia produtividade à preservação do meio ambiente.
De acordo com a empresa, 25,6% do território nacional dedicado a preservação da vegetação nativa está localizada em imóveis rurais, o que mostra que o papel do produtor é importantíssimo na preservação do meio ambiente.
As áreas protegidas de vegetação nativa em unidades de conservação integral e terras indígenas somam 24,2% do nosso território; isso quer dizer que o total de áreas protegidas no Brasil equivale a superfície de 15 países da União Europeia.
Argumento 3
Estimativas apontam que a emissão de carbono resulta do desmate induzido pela pecuária somado à produção de metano no rúmen dos bovinos.
Mudança climática é outro tema frequentemente usado para se criticar o Brasil de forma injusta. Nossos pesquisadores e produtores constroem hoje a próxima revolução da agropecuária tropical, com sistemas integrados capazes de operar 365 dias por ano, ciclando lavouras, pecuária e floresta, em modelo inédito de produção sustentável de baixa emissão de carbono.
Caprinos, ovinos, bubalinos, suínos, aves e, especialmente, os mais de 214 milhões de bovinos criados em terras brasileiras costumam ser considerados a causa de uma montanha de gases de efeito estufa liberados anualmente na atmosfera.
O Brasil é pioneiro no processo inédito de produção de “carne carbono neutro”, uma resposta concreta do Brasil à cruzada global contra a pecuária bovina. O nosso país já é líder global no uso do plantio direto, da fixação biológica do nitrogênio e dos sistemas integrados de produção, tecnologias que nos colocam na vanguarda do desenvolvimento da agricultura de baixa emissão de carbono.
Nunca se conseguiu provar a relação entre os níveis de metano na atmosfera com o rebanho bovino mundial. Albrecht Glatzle atesta que, entre 1990 e 2005, a concentração atmosférica de metano permaneceu a mesma, enquanto que, no mesmo período, houve crescimento de 100 milhões de cabeças de gado. Na última década, as emissões de metano voltaram a se elevar, mas os cientistas divergem sobre as causas do fenômeno. Pântanos e vulcões, e não o rebanho bovino, seriam os maiores responsáveis.
Vegetais, para crescer, realizam a fotossíntese, processo vital que absorve CO2 do ar e acumula carbono (C) na massa vegetal – folhas, galhos, grãos e raízes. Quando o gado de alimenta de gramíneas, ou rações, esse carbono (C) se transforma, parte retornando à atmosfera pelas eructações bovinas.
Pesquisadores da Embrapa, a exemplo de Marcílio da Frota, fazem um “balanço” entre o carbono sequestrado pelas plantas, e aquele eliminado após a ruminação. Em algumas situações, de pastagens bem manejadas e integradas em sistemas com lavouras e florestas, o balanço é positivo, ou seja, a pecuária mais fixa que libera carbono para a atmosfera.
Argumento 4
O autor propõe que a redução do consumo de carne nas duas primeiras refeições reduziria em 2/3 as emissões produzidas pela dieta, desacelerando o aquecimento global e a desastrosa mudança do clima.
Diminuir o consumo de carne é uma ação ética. A criação de animais, por melhor que seja, sempre envolve sofrimento, em maior ou menor grau.
A decisão sobre os alimentos que consumimos é muito pessoal e envolve questões culturais e até religiosas, mas orientações científicas nos ajudam a fazer escolhas equilibradas. Impor uma dieta, por qualquer razão, expressa uma violência ao direito das pessoas. Pior ainda, neste caso, a condenação ecológica da carne vermelha representa uma crueldade, da elite abastada, contra o povo, faminto por proteína de qualidade.
Uma curiosidade: os campos inundados de arroz, dominantes na Ásia, produzem tanto metano quanto o arroto dos bovinos, e não são feitas recomendações para as pessoas pararem de comer arroz para salvar o planeta.
Os antropólogos vêm discutindo há décadas sobre a alimentação dos nossos ancestrais; e muitos cientistas acreditam que vários ossos foram triturados rumo à evolução do cérebro. Alguns chegaram a dizer que o consumo de carne é o que nos torna humanos. Um dos motivos é que a inteligência é onerosa: o cérebro devora cerca de 20% das calorias que ingerimos diariamente, apesar de representar apenas 2% do peso corporal.
E existe alimento melhor do que carne animal para suprir a enorme variedade de gorduras, aminoácidos, vitaminas e minerais de que o cérebro precisa?
Diminuir o consumo de carne é uma opção alimentar. Pregar o vegetarianismo como salvação do planeta é puro exagero ambientalista.
Argumento 5
Relatório sobre impactos da mudança do clima publicado pelo periódico médico britânico The Lancet estima que 990 mil pessoas morrem no mundo, todos os anos, por doenças associadas ao consumo excessivo de carne —e esse número aumentou 72% desde 1990.
No Brasil, o hábito carnívoro seria responsável por 38 mil mortes anuais.
Proteínas de origem animal possuem alto valor biológico e são como tijolos que fazem parte da constituição de tecido, pele e da formação dos órgãos. Contribuem para a beleza dos cabelos, o crescimento das unhas e a produção do colágeno que perdemos ao longo da idade. O ferro de origem animal está pronto para ser absorvido pelo nosso organismo e não é barrado por nenhum nutriente, enquanto o de origem vegetal precisa da vitamina C para entrar nas células e pode ser barrado por outros nutrientes quando consumidos em uma mesma refeição. Para as mulheres, que perdem muito sangue durante o período menstrual e podem ter anemia, o consumo de ferro é muito importante.
Os estudos revelam benefícios irrisórios à saúde por comer menos carne. Em uma análise de 25 estudos em 2011, os pesquisadores concluíram que não havia evidências suficientes para apoiar uma associação entre carne vermelha e câncer de cólon, por exemplo. Outra publicação recente relata que não há evidências convincentes de que a redução do consumo de carnes vermelhas ou processadas seja benéfica para um indivíduo.
Comer carne tem vários benefícios para a saúde:
Apetite reduzido e metabolismo aumentado: Muitos estudos mostraram que as dietas ricas em proteínas que incluem carne aumentam a taxa metabólica, reduzem a fome e promovem a saciedade.
Retenção de massa muscular: A ingestão de proteína animal está consistentemente associada ao aumento da massa muscular. Em um estudo com mulheres mais velhas, comer carne aumentou a massa muscular e reduziu os marcadores de inflamação.
Ossos mais fortes: A proteína animal pode melhorar a densidade e a força óssea. Em um estudo, mulheres idosas com maior ingestão de proteína animal tiveram um risco 69% menor de fraturas de quadril.
Melhor absorção de ferro: A carne contém ferro heme, que seu corpo absorve melhor do que o ferro não heme das plantas.
Fontes:
Artigo – Fatos e mitos sobre agricultura e meio ambiente – Portal Embrapa
Amazônia não virará uma savana rala, diz Xico Graziano | Poder360
O que se sabe sobre os efeitos da dieta vegana na inteligência – BBC News Brasil
Mato Grosso mostra que pecuarista preserva (e não destrói) o meio ambiente – O Presente Rural
Um novo olhar sobre as emissões da pecuária brasileira – Portal Embrapa
Efeito estufa do arroto bovino | Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
That Perplexing Red Meat Controversy: 5 Things to Know – The New York Times
Meat: Good or Bad? (healthline.com)