Resumo Executivo – Créditos de ICMS
A Questão
O ICMS não permite a utilização como crédito dos valores recolhidos ao longo da cadeia produtiva referente à aquisição de bens ou serviços que não integrem diretamente o processo produtivo. É o chamado “crédito físico”. Dessa forma, vários produtos adquiridos pelas empresas, fundamentais ao desenvolvimento das suas atividades, não geram crédito, apesar de terem sido gravados pelo tributo. Essa tributação não recuperável se transforma em custo das empresas e reduzem a sua competitividade.
A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir)
- A Lei Complementar nº 87/1996 estabeleceu que as aquisições de bens de uso e consumo – inclusive serviços de telecomunicações – e toda a aquisição de energia elétrica dariam direito a crédito. É o chamado “crédito financeiro”, utilizado em quase todos os sistemas tributários que adotam o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
- Ainda de acordo com a Lei Complementar nº 87/1996, esse direito das empresas estava inicialmente previsto para entrar em vigor em 1998 e já foi adiado cinco vezes, tendo passado para 2000, 2003, 2007, 2011 e, finalmente, 2020.
- Os governos estaduais e municipais já tiveram mais de 20 anos para adaptarem suas finanças à nova sistemática de apuração do ICMS. Entretanto, mais uma vez estão propondo o adiamento, através do PLP 223/2019. Dessa vez, a tentativa é de adiar o início de vigência do “crédito financeiro” por 13 anos, de janeiro de 2020 para janeiro de 2033. Ou seja, se considerarmos o comando legal original (da Lei Complementar nº 87/1996), o adiamento completará 33 anos.
O Projeto de Lei Complementar nº 223/2019
- O Projeto de Lei Complementar 223/2019, de autoria do senador Lucas Barreto (PSD/AP), visa alterar a Lei Kandir, e prorrogar pela 7ª vez o direito das empresas de apropriarem créditos de ICMS decorrentes de materiais de uso e consumo adquiridos para as suas atividades.
- Por essa lógica, por exemplo, materiais como canetas, papel, computadores, celulares, móveis, cadeiras e até correias transportadoras, desde que utilizadas nas atividades das empresas, seguirão sem o direito ao crédito de ICMS, sendo, portanto, custo para essas empresas.
- Aliás, diga-se ainda que os itens de manutenção de máquinas e equipamentos utilizados na produção tampouco são passíveis de crédito de ICMS, na atual sistemática.
- Há também grande discussão quanto aos materiais utilizados no processo industrial, especialmente aqueles que se desgastam durante a produção, denominados “materiais intermediários”. Muitas empresas têm sofrido inúmeras autuações por parte da Fiscalização, uma vez que esta insiste em classificar os “materiais intermediários” como de Uso e Consumo.
- Assim, o fim tantas vezes adiado da regra restritiva ao crédito do ICMS, já prevista no artigo 33 da Lei Kandir, encerra uma longa discussão, simplificando esse Imposto, já em linha com o que seria a Reforma Tributária. Ademais, permitiria a redução de custos para as empresas, o que se reflete no preço de seus produtos ao longo do tempo.
Qual a importância do crédito sobre bens de uso e consumo, energia elétrica e serviços de telecomunicações?
Competitividade das exportações
- A cumulatividade representada pelo não aproveitamento de créditos de ICMS sobre bens de uso e consumo onera as exportações. A redução de custo representada pelo creditamento amplo contribui para aumentar a competitividade externa dos produtos brasileiros. Mesmo que o aumento dos créditos das empresas exportadoras agrave o problema do acúmulo de saldos credores, a redução de custo das empresas ao longo da cadeia produtiva proporcionará aumento na competitividade externa.
Concorrência com produtos importados
- O não creditamento em determinadas operações ao longo da cadeia produtiva faz com que a alíquota efetiva do ICMS seja maior do que a alíquota nominal, o que dificulta a oneração equivalente do produto importado. Isso porque a cadeia de importação tem menos elos dentro do Brasil e sobre o produto importado incide a alíquota nominal do ICMS, tornando-o menos sujeitos à cumulatividade. Dessa forma, os produtos brasileiros concorrem pelo mercado nacional com desvantagem tributária em relação aos importados.
Complexidade
- As restrições nas hipóteses de crédito tornam a apuração do ICMS mais complexa, pois os contribuintes, e até mesmo o Fisco, encontram dificuldade para definir as aquisições que dão e as que não dão direito a crédito. É desse tipo de dificuldade que derivam mecanismos de controle excessivo e operação impraticável, como é o caso do Bloco K do Sped Fiscal, cujo efeito é nocivo aos custos de conformidade e à competitividade das empresas.
- Além disso, os atuais conceitos sobre o creditamento no ICMS, definidos nas normas legais e infra legais, deixam brechas interpretativas, o que gera insegurança jurídica para os contribuintes, bem como aumenta o risco de autuações indevidas.
Custos com contencioso administrativo e judicial
- Segundo estudo da FGV, com base nas 30 maiores empresas de capital aberto no Brasil (com exceção dos bancos), as disputas judiciais e administrativas envolvendo o creditamento tributário (no ICMS, IPI e PIS/Cofins) afetaram 19 empresas da amostra e somaram, em 2017, R$ 31,8 bilhões, o que representa cerca de 22% de todas as disputas tributárias enfrentadas por essas empresas.
- No âmbito das disputas fiscais sobre creditamento, o tema mais recorrente é o “conceito de insumo”, no ICMS e PIS/Cofins, com valor estimado em R$ 12,6 bilhões (8,5% do total de disputas das 19 empresas). Considerando apenas o ICMS, o valor em disputa, sobre “conceito de insumo” no creditamento, é de R$ 6,7 bilhões (4,5% do total).
Falta de transparência
- O fato de algumas operações não darem direito a crédito do ICMS reduz a transparência do sistema tributário, dado que a alíquota nominal sobre o produto para consumo final não será a alíquota efetiva embutida no preço pago pelo consumidor.
O montante envolvido
- Em 2008, o Ministério da Fazenda estimou em 0,7% do PIB o volume de créditos de ICMS não aproveitados devido à proibição ao creditamento de bens de uso e consumo, energia elétrica e serviços de telecomunicações. Considerando o PIB projetado pela CNI para 2019, o montante de créditos não apropriados em 2019 corresponderia a cerca de R$ 50 bilhões.
Proposta
- Rejeitar o PLP 223/2019 e permitir o início do “crédito financeiro” do ICMS a partir de 1º de janeiro de 2020. Ainda que os estados recomponham a arrecadação via aumento das alíquotas de ICMS, o ganho de qualidade no sistema tributário brasileiro será muito significativo.
- Conforme apontado anteriormente, haverá ganhos de competitividade para os produtos fabricados no Brasil, tanto na competição com os importados pelo mercado interno como nas exportações. Além disso, a redução da complexidade no ICMS reduzirá custos administrativos relativos a apuração, pagamentos e obrigações acessórias do imposto e custos com contencioso administrativo e judicial.
- Adicionalmente, o ICMS se tornará um imposto mais transparente para o consumidor, à medida que a alíquota efetiva ao final da cadeia produtiva será mais próxima da alíquota nominal definida pela legislação via decisões legislativas.
Propostas Alternativas
Inicio gradual do direito a crédito de ICMS
Dê-se ao art. 33 da Lei Complementar nº 87/1996 a seguinte redação:
“Art. 33………………………………………………………………
I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2020 respeitada a seguinte proporção;
a – 10 % (dez pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2020, até 31 de dezembro de 2021;
b – 25 % (vinte e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2022 até 31 de dezembro de 2023;
c – 50 % (cinquenta pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2024 até 31 de dezembro de 2025;
d – 75 % (setenta e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2026 até 31 de dezembro de 2027;
e – 100 % (cem pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2028.
II – …………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
d) a partir de 1º de janeiro de 2020, nas demais hipóteses, respeitada a seguinte proporção;
a – 10 % (dez pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2020, até 31 de dezembro de 2021;
b – 25 % (vinte e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2022 até 31 de dezembro de 2023;
c – 50 % (cinquenta pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2024 até 31 de dezembro de 2025;
d – 75 % (setenta e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2026 até 31 de dezembro de 2027;
e – 100 % (cem pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2028.
IV – ……………………………………………………………………………………………………………………………………………………
c) a partir de 1º de janeiro de 2020, nas demais hipóteses, respeitada a seguinte proporção;
a – 10 % (dez pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2020, até 31 de dezembro de 2021;
b – 25 % (vinte e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2022 até 31 de dezembro de 2023;
c – 50 % (cinquenta pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2024 até 31 de dezembro de 2025;
d – 75 % (setenta e cinco pontos percentuais) de 1º de janeiro de 2026 até 31 de dezembro de 2027;
e – 100 % (cem pontos percentuais) a partir de 1º de janeiro de 2028.
- A Lei Complementar nº 87/1996 tem tido sua aplicação reiteradamente suspensa no que se refere ao exercício pleno do direito aos créditos que trata o seu artigo 20, quanto aos itens de material de uso e consumo, energia elétrica e comunicação.
- Cinco Leis Complementares (LCP nº 92/1997, LCP nº 99/1999, LCP nº 114/2002, LCP nº 122/2006 e LCP 138/2010) já adiaram esse direito em mais de 20 anos.
- Visando evitar nova prorrogação, a emenda propõe o escalonamento do registro dos créditos até então restringidos, oferecendo uma transição gradual, ao longo de nove anos. O escalonamento, colocado a seguir, é uma forma de garantir o direito do contribuinte e, ao mesmo tempo, amenizar os efeitos fiscais para os Estados:
- 10% dos créditos, em 2020 e 2021;
- 25% dos créditos, em 2022 e 2023;
- 50% dos créditos, em 2024 e 2025;
- 75% dos créditos, em 2026 e 2027; e
- 100% dos créditos, a partir de 2028.
- Com isso, o contribuinte admite a renúncia ao direito ao crédito integral nesse período de transição, mas tem garantido o compromisso do seu exercício pleno e efetivo a partir de 2028.
Crédito imediato de bens do ativo imobilizado
- Suprima-se o § 5º do art. 20 da Lei Complementar nº 87/1996.
- O atual sistema tributário brasileiro gera distorções que aumentam o custo dos investimentos produtivos, onerando bens destinados ao ativo fixo das empresas.
- Um estudo realizado pela Ernst & Young, em 2014, a pedido da CNI e da Embaixada do Reino Unido no Brasil, mostrou que o custo final de investimento na instalação de uma siderúrgica no Brasil é ampliado em 10,6%, devido aos efeitos direto e indireto dos tributos sobre bens e serviços. No caso da Austrália, esse investimento teria sido ampliado em 1,7%, no México em 1,6% e no Reino Unido em apenas 0,4%.
- Além do problema gerado pela existência de tributos não recuperáveis, como é o caso do ISS, entre outros, as empresas situadas no Brasil têm que lidar com asrestrições existentes para a utilização dos créditos de tributos recuperáveis, incidentes ainda na fase de construção e instalação da unidade produtiva.
- Em resumo, as empresas devem manter, por determinado período de tempo, os saldos credores das contribuições sociais PIS/Cofins e também do ICMS, uma vez que ambos os créditos só podem ser utilizados após o início das operações, gerando custos financeiros para as empresas, o que desestimula investimentos e reduz a competitividade.
- No caso do ICMS, a apropriação dos créditos sobre bens destinados ao ativo fixo, que ocorre em 48 meses (48 parcelas mensais e só após o início das operações), aumenta significativamente o ônus financeiro sobre o total dos investimentos.
- Considerando apenas os impostos recuperáveis, no Reino Unido, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é recuperado, em dinheiro, ainda durante a fase de construção. No México, o IVA também é restituído em dinheiro, ainda na fase de construção, e o ressarcimento tem prazo máximo de 40 dias para ser realizado. Na Austrália, por sua vez, o Goods and Services Tax (GST) é restituído em 14 dias após a declaração do imposto, mesmo antes do início da operação.
- Considerando os problemas gerados pela dificuldade de restituição dos créditos do ICMS e observando-se a prática de outros países, pode-se concluir que é necessário alterar o dispositivo que estabelece a forma de ressarcimento dos créditos de bens do ativo imobilizado.
- Com a alteração proposta, os créditos serão restituídos de forma imediata, tornando a tributação menos onerosa para as empresas, o que estimularia investimentos e aumentaria sua competitividade.
Fontes:
IBÁ. Crédito de ICMS – materiais de Uso e Consumo. Um direito das empresas, um dever do Estado.